A Justiça Brasileira e a Flexibilização da Penhora de Salário: Uma Análise Jurídica
- nicoletijur
- 21 de fev.
- 3 min de leitura

A impenhorabilidade de salários sempre foi um tema sensível no direito brasileiro, pautado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e pela necessidade de garantir a subsistência do devedor e de sua família. No entanto, nos últimos anos, o Poder Judiciário tem adotado uma abordagem mais flexível, permitindo a penhora de rendimentos salariais em situações excepcionais, sobretudo quando se demonstra que a retenção de parte desses valores não compromete a dignidade do executado.
A Impenhorabilidade de Salários e sua Natureza Relativa
O Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 833, estabelece a impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, soldos, proventos, pensões e outras fontes de renda de natureza alimentar. No entanto, essa regra não é absoluta. A redação do parágrafo 2º do mesmo artigo deixa claro que a impenhorabilidade não se aplica para o pagamento de prestações alimentícias, independentemente de sua origem.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recentes julgados, tem reforçado a possibilidade de relativização dessa impenhorabilidade, quando o devedor possui capacidade financeira para arcar com suas despesas básicas e, ao mesmo tempo, honrar suas obrigações pecuniárias. A Corte Especial do STJ, no julgamento do EREsp 1874222, reconheceu que a impenhorabilidade de salários pode ser mitigada à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, de modo a viabilizar a efetividade da execução sem comprometer a subsistência do devedor.
A Possibilidade de Penhora Parcial de Salários
O entendimento jurisprudencial mais atual permite que, em determinados casos, seja possível a penhora de um percentual dos rendimentos do devedor, especialmente quando este percebe remuneração elevada e incompatível com a alegação de impossibilidade de pagamento. Essa flexibilização tem sido aplicada de maneira mais expressiva nos tribunais estaduais, inclusive no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), onde se tem considerado que, caso o devedor tenha margem financeira suficiente para sua subsistência e ainda possa quitar sua obrigação, a penhora parcial se mostra plenamente viável.
A Efetividade da Execução e o Princípio da Boa-Fé Processual
O instituto da execução tem como fundamento central a satisfação do crédito reconhecido judicialmente, garantindo que o credor não seja lesado por estratégias protelatórias do devedor. Em diversos casos, verifica-se que executados, ao antever a possibilidade de bloqueio judicial de suas contas bancárias, realizam transferências atípicas ou movimentações financeiras que buscam mascarar sua real capacidade econômica.
O STJ tem sido categórico ao afirmar que a regra da impenhorabilidade não pode servir de escudo para o inadimplemento deliberado de obrigações. Dessa forma, em hipóteses onde se comprova que a penhora de um percentual dos rendimentos não compromete a subsistência do devedor, deve-se privilegiar o princípio da efetividade da execução.
Conclusão
A flexibilização da penhora de salário representa um avanço na busca por um equilíbrio entre os direitos do credor e do devedor. O entendimento consolidado nos tribunais demonstra que a Justiça brasileira não pode ser conivente com aqueles que, embora possuam capacidade financeira para cumprir suas obrigações, tentam se esquivar do pagamento de suas dívidas.
O STJ e os Tribunais de Justiça estaduais vêm consolidando uma interpretação mais justa e condizente com a realidade socioeconômica do país, garantindo que a execução ocorra de maneira eficaz e proporcional. Assim, fica claro que a impenhorabilidade de salários deve ser analisada à luz do caso concreto, permitindo a retenção parcial dos rendimentos quando isso não comprometer a dignidade do devedor e de sua família.


Comentários